Nos capítulos 9 a 11 Paulo faz uma pausa no seu argumento e se aprofunda no tema da salvação dos Israelitas e dos gentios. Um dos objetivos desse capítulo é ajudar o povo de Israel a entender o motivo pelo qual a salvação, que era para eles, estava disponível também para os gentios. Seria Deus injusto ao fazer isso? Se alguns deles não iam se salvar, como podemos entender as promessas que Deus havia feito ao povo de Israel?
Paulo trata tudo isso neste capítulo.
O capítulo está organizado da seguinte forma:
- Paulo se entristece pelos Israelitas (1 a 5)
- A salvação veio para todos (6 a 13)
- Não depende das nossas obras (14 a 18)
- Não podemos questionar o Senhor (19 a 29)
- A justiça pela fé (30 a 33)
Vamos ver alguns destes pontos com mais detalhes.
Vídeo do estudo
Paulo se entristece pelos Israelitas
O capítulo começa quase que com uma pausa no assunto que Paulo vinha tratando. Ele abre esta parte da carta falando sobre a tristeza que sente por seus irmãos israelitas:
“Em Cristo digo a verdade, não minto (dando-me testemunho a minha consciência no Espírito Santo): tenho grande tristeza e contínua dor no meu coração. Porque eu mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne; que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém!”
Romanos 9:1-5
O caso aqui é que Paulo estava vendo que, apesar de Cristo ter vindo da mesma linhagem, das promessas que foram feitas, dos patriarcas, deles terem sido escolhidos como o próprio povo de Deus, eles não estavam aceitando a salvação em Jesus.
Podemos chegar perto de entender isso ao olhar para nossos amigos e parentes mais próximos e ver que eles não estão entendendo que apenas Cristo salva. Se temos pessoas próximas que estão perdidas, começamos a ter um pequeno vislumbre do que Paulo quis dizer.
Digo isso pois, para Paulo a situação parece ser mais complicada, uma vez que aquele povo tinha as promessas, havia recebido a lei, era o povo escolhido e, mesmo assim, não estava aceitando.
Imagine que você conhece uma pessoa muito pobre, que vive passando dificuldades, fome, falta do básico, perdeu sua casa e está morando na rua. Ao mesmo tempo, você sabe que ela tem uma grande herança para receber, algo que mudaria a vida dela completamente e para sempre, que faria com que ela nunca mais sentisse nenhum tipo de necessidade e resolveria todos os problemas dela. Como você se sentiria por essa pessoa? É revoltante, correto?
Essa era, mais ou menos, a tristeza que Paulo sentia. Porém, isso era tão forte para ele que ele chegou a afirmar que “poderia desejar ser separado de Cristo” para que seus irmãos Israelitas percebessem que Jesus é o Cristo.
Voltando ao nosso exemplo, é como se você estivesse disposto a perder tudo o que tem, passar a sentir fome, morar na rua para sempre, não ter nem mesmo o água para beber, para que aquela pessoa percebesse a herança que estava disponível para ela.
Essa indignação de Paulo é uma lição de amor ao próximo para nós. Quem de nós poderia afirmar a mesma coisa: que está disposto a abrir mão da própria salvação para que uma outra pessoa fosse salva?
Claro que isso é impossível, mas precisamos analisar os frutos decorrentes dessa frase de Paulo. Ele não poderia entregar a própria salvação como moeda de troca, mas entregou sua vida toda por amor do evangelho, para se dedicar à pregação do amor de Cristo.
A salvação veio para todos
Após expor sua dor, ele parece se preparar para um argumento plausível: se as promessas eram dos Israelitas, se o próprio Cristo veio dessa linhagem, Deus está voltando atrás no que falou no antigo testamento?
Paulo mesmo responde isso:
“Não que a palavra de Deus haja faltado, porque nem todos os que são de Israel são israelitas; nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência.”
Romanos 9:6,7
O que ele diz é: nem todos os que nasceram da linhagem de Abraão são israelitas, nem todos são filhos. Note que ele cita que a descendência viria de Isaque, mas Abraão teve outro filho que, aliás, era seu primogênito: Ismael. Logo, todos os que são filhos de Abraão são realmente filhos da promessa? Não.
O argumento dele continua:
“E não somente esta, mas também Rebeca, quando concebeu de um, de Isaque, nosso pai; porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama), foi-lhe dito a ela: O maior servirá o menor. Como está escrito: Amei Jacó e aborreci Esaú.”
Romanos 9:10-13
No caso dos filhos de Isaque, algo similar aconteceu. Mesmo antes deles nascerem, da mesma mãe, Deus afirma que Esaú, o primogênito, serviria o mais novo, Jacó.
Os filhos de Esaú foram considerados filhos de Abraão, no que se refere à promessa? Não. Eles receberam outras promessas, foram muito abençoados, mas não foram os filhos da promessa.
Logo, o que Paulo está afirmando aqui é que Deus não foi contra sua própria palavra pelo fato de que alguns Israelitas não se salvaram. O argumento da linhagem não fazia sentido, por isso a salvação está disponível para todos.
Não depende das nossas obras
Paulo continua argumentando, dessa vez falando sobre uma possível crítica à falta de justiça nas ações de Deus:
“Que diremos, pois? Que há injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma! Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece. Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para em ti mostrar o meu poder e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. Logo, pois, compadece-se de quem quer e endurece a quem quer.”
Romanos 9:14-18
Note como ele é claro ao afirmar que Deus se compadece de quem bem entender. Deus não tem como ser injusto, essa não é a Sua natureza. Ele é justo e continua justo ao perdoar quem Ele quiser perdoar, mesmo que nosso senso de justiça não entenda.
O exemplo que ele usa aqui é o de faraó que, conforme relatado no livro de Êxodo, tem o seu coração endurecido pelo Senhor para que o propósito se cumprisse.
Se Deus podia endurecer o coração de faraó para o bem de Israel sem ser questionado, por qual motivo existira, qualquer questionamento referente ao fato de que alguns Israelitas não se salvaram?
Aqui Paulo apresenta, de maneira implícita, dois pontos muito relevantes: o viés no julgamento dos Israelitas e também a salvação pela graça.
O viés no julgamento dos Israelitas se deu justamente por não termos relatos do povo questionando Deus por ter endurecido o coração de faraó, mas talvez questionando Deus por não salvar todos os Israelitas. Ou seja: a soberania de Deus é válida quando impacta as outras pessoas, mas não quando os impacta.
Não estou dizendo que os Israelitas fizeram isso, mas o argumento de Paulo vai nessa linha.
Isso se aplica diretamente para nós. Muitas vezes pensamos que Deus pode “pesar a mão” em outras pessoas que erram, mas não olhamos para os nossos próprios erros. Quando algo dá errado na vida de alguém, muitas vezes, o motivo é a pessoa ter errado, mas quando acontece conosco, a culpa é do diabo. Veja como as mesmas situações geram, inclusive em nós, interpretações completamente desconectadas umas das outras. Precisamos entender que Deus é soberano, Ele é o Criador e nós temos que nos submeter ao que Ele decidir. Nós não somos senhores, somos servos.
O outro ponto que Paulo apresenta aqui é uma visão direta e clara da salvação pela graça: “não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece”. Não podemos fazer nada para que Deus nos salve, as obras não contam para nossa justificação, é pela fé, através da graça de Deus.
Isso era importante para os judeus, pois muitos deles, como já falamos repetidas vezes, acreditavam que poderiam alcançar a salvação com suas obras. O mesmo acontece conosco, acreditamos que se levarmos uma vida justa, correta, fazendo boas obras, seremos dignos, seremos mais aceitos por Deus. Essa crença, além de ter sido implantada em nós desde que somos muito pequenos, é um erro de entendimento da graça de Deus.
Não existe nada que possamos fazer para nos tornar merecedores da salvação. Quem fez foi Deus, não nós. Isso é graça. Podemos ter as melhores obras, amar as pessoas, cuidar dos pobres, fazer o bem a nossa vida toda. Sem fé, nada disso vai nos justificar diante de Deus.
Esse entendimento é complexo e até mesmo rejeitado por muitas pessoas. Para nós, a graça é um contrassenso e temos dificuldades de entendê-la. Nós fomos ensinados a nossa vida toda que, se fizermos coisas boas, seremos aceitos, seremos respeitados, seremos merecedores. A conta de Deus não é assim, pois Ele sabe que não somos bons. É só pela graça que podemos ser salvos.
Trato mais sobre esse assunto no nosso estudo de Tiago.
Não podemos questionar
Além disso, Paulo dá uma aula sobre o nosso relacionamento com Deus:
“Dir-me-ás, então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem resiste à sua vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura, a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?” Romanos 9:19-21
Somos filhos, somos amados e, ao mesmo tempo, somos criaturas, não os criadores.
Trato desse assunto com um pouco mais de profundidade no livro “Muito além de um Pai“.
A justiça é pela fé
Após isso, Paulo volta ao assunto da justificação pela fé:
“Que diremos, pois? Que os gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram a justiça? Sim, mas a justiça que é pela fé. Mas Israel, que buscava a lei da justiça, não chegou à lei da justiça. Por quê? Porque não foi pela fé, mas como que pelas obras da lei. Tropeçaram na pedra de tropeço, como está escrito: Eis que eu ponho em Sião uma pedra de tropeço e uma rocha de escândalo; e todo aquele que crer nela não será confundido.”
Romanos 9:30-33
Como já falamos de maneira extensa sobre a justificação pela fé nesse estudo de Romanos, entendo que o conceito já está bem estabelecido.
O ponto que vale frisar aqui é o exemplo de Paulo, onde ele fala que Israel, tentando se justificar pelas obras, não chegou à justiça, mas que os gentios, sem tentarem fazer boas obras para serem justificados, foram justificados ao crerem em Jesus.
Os Israelitas tropeçaram na pedra de tropeço, nesse caso Jesus, ao não crerem nele e tentarem tornar-se justos pelas obras.