Os Evangelhos mostram grupos religiosos e políticos que, no século I, influenciaram a vida judaica. Cada grupo tinha suas crenças, práticas e influências. Entre eles, os fariseus, os saduceus e os mestres da lei aparecem nos relatos, geralmente em confronto com Jesus. Para entender melhor esses encontros, vamos explorar quem eram esses grupos e algumas outras seitas. Cada um tinha sua própria abordagem em relação à Lei de Moisés e às práticas religiosas.
1. Fariseus
Os fariseus eram um grupo religioso. Eles valorizavam a Lei de Moisés. Além da lei, seguiam também tradições orais que interpretavam e expandiam as Escrituras. Eles acreditavam que essas tradições, transmitidas de geração em geração, ajudavam o povo a obedecer melhor a Deus e a evitar o pecado.
Características principais dos fariseus:
- Aproximação com o povo: Diferente de outros grupos, os fariseus eram populares entre o povo, incentivando a observância rigorosa da Lei. Eles chamavam a atenção para a pureza e a santidade em cada detalhe da vida, tornando-se influentes.
- Crença na ressurreição: Os fariseus criam na ressurreição dos mortos e na existência de anjos e espíritos, uma crença que os diferenciava dos saduceus. Paulo, em Atos 23:8, menciona essa diferença: “Os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjo, nem espírito; mas os fariseus reconhecem todas essas coisas.”
- Escrituras e tradição oral: Acreditavam na autoridade das Escrituras (o Antigo Testamento) e seguiam as tradições orais.
Jesus frequentemente os criticava por sua hipocrisia e excesso de zelo pela lei sem misericórdia. Em Mateus 23:23, Ele afirma: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade.” Esse versículo resume bem o confronto entre Jesus e os fariseus, pois Ele ensinava que a justiça e a misericórdia deveriam estar acima dos detalhes legais.
2. Saduceus
Os saduceus formavam outro grupo importante, mas bem diferente dos fariseus. Composto pela aristocracia judaica, incluíam a maioria dos sacerdotes e o sumo sacerdote, e tinham forte influência política, especialmente porque colaboravam com as autoridades romanas para manter a paz.
Características principais dos saduceus:
- Rejeição da tradição oral: Os saduceus aceitavam apenas a Lei escrita (os cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco) como autoridade, rejeitando as tradições orais dos fariseus.
- Não acreditavam na ressurreição: Não criam na ressurreição, nem na existência de anjos ou espíritos, o que gerava conflitos com os fariseus (Atos 23:8).
- Poder no Templo: Como controlavam o Templo, eram responsáveis pelos sacrifícios e pelas cerimônias religiosas, centralizando sua influência em Jerusalém.
Em Mateus 22:23-33, os saduceus questionam Jesus sobre a ressurreição, tentando expor uma contradição na Lei. Jesus os corrige ao responder: “Vocês estão enganados, pois não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus” (Mateus 22:29). Esse diálogo revela as diferenças entre os saduceus e Jesus, especialmente sobre temas teológicos fundamentais, como a vida após a morte.
3. Mestres da Lei (ou escribas)
Os mestres da lei, ou escribas, eram especialistas nas Escrituras e tinham como principal função interpretar e ensinar a Lei ao povo. Muitos escribas eram fariseus, mas alguns também estavam alinhados com os saduceus e outras tradições.
Características principais dos mestres da Lei:
- Interpretação rigorosa: Eram conhecedores profundos da Lei e ocupavam posições de autoridade na sinagoga. Por isso, eram frequentemente consultados sobre questões legais e teológicas.
- Escribas e juristas: Além de ensinar, eles transcreviam e copiavam os textos sagrados, exercendo o papel de juristas religiosos.
- Influência social: Exercendo grande influência, eles estavam constantemente debatendo com Jesus sobre as interpretações da Lei.
Em Lucas 11:46, Jesus diz aos mestres da lei: “Ai de vocês também, peritos na lei! Porque vocês sobrecarregam o povo com fardos que eles mal podem carregar, mas vocês mesmos não levantam um dedo para ajudá-los.” Essa passagem ilustra a crítica de Jesus ao peso das interpretações legais dos escribas, que dificultavam a vida espiritual das pessoas ao invés de as ajudarem.
4. Zelotes
Os zelotes eram um grupo radical, fortemente opositor ao domínio romano. Acreditavam que o povo judeu deveria lutar pela liberdade política e esperavam um Messias guerreiro que os lideraria em uma revolta contra Roma.
Características principais dos zelotes:
- Revolucionários: Defendiam a luta armada e desejavam derrubar o domínio romano.
- Fanatismo religioso e nacionalista: Com uma paixão extrema pelo judaísmo e pela independência política, os zelotes rejeitavam a colaboração com Roma.
- Relação com os Evangelhos: Simão, um dos discípulos de Jesus, é chamado de “o Zelote” (Lucas 6:15). Isso mostra que Jesus atraiu seguidores de diversas origens.
Os Evangelhos não registram interações de Jesus com os zelotes. Sua mensagem de paz e amor aos inimigos (Mateus 5:44) contrasta com o ideal dos zelotes, que buscavam derrubar Roma com violência.
Em seu comentário sobre o Evangelho de Mateus, William Barclay faz uma referência ao trabalho do historiador Josefo, e diz:
O historiador Josefo fala destes zelotes (Antiguidades, 8.1.6.), denominando-os “o quarto partido político entre os judeus palestinenses”. Os outros três partidos eram os fariseus, os saduceus e os essênios. Diz que “experimentavam uma paixão inviolável pela liberdade” e que para eles “Deus era seu único soberano e rei”. Estavam preparados para confrontar qualquer classe de sofrimento na luta pela liberação de sua pátria, e não vacilavam ante a morte até de seus seres mais queridos se se tratava de uma morte necessária pela liberdade de sua nação. Recusavam-se a conceder o título de rei a nenhum homem sobre a Terra. Sua decisão era tão firme que nenhuma dor podia fazê-los apartar-se de seus objetivos. Estavam dispostos ao assassinato e a guerra de guerrilhas para liberar Israel do domínio estrangeiro. Eram os patriotas por excelência entre os judeus, os mais radicais de todos os nacionalistas.
5. Essênios
Os essênios, que não aparecem diretamente nos Evangelhos, eram um grupo isolado, conhecido por viver uma vida de oração e pureza. Eles acreditavam que o sistema religioso estava corrompido. Por isso, isolavam-se em comunidades, como a de Qumran, onde foram encontrados os Manuscritos do Mar Morto.
Características principais dos essênios:
- Vida comunitária e ascética: Viviam em comunidade e evitavam o contato com o mundo externo para se manterem puros.
- Esperança messiânica: Assim como outros grupos, aguardavam a vinda do Messias e viviam em preparação constante para esse evento.
- Rejeição ao Templo de Jerusalém: Consideravam o Templo impuro e seguiam suas próprias regras de pureza e sacrifícios.
Embora não haja registro de contato de Jesus com os essênios, sua mensagem sobre o Reino de Deus e a santidade interior ressoam com alguns princípios dessa comunidade. Em Mateus 5:8, Jesus declara: “Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus.” Essa busca pela pureza interior também era central para os essênios.
No dicionário bíblico Wycliffe, lemos o seguinte sobre os essênios:
Para o judaísmo no período romano, havia duas alternativas para a questão do compromisso de devoção religiosa: uma vida de “partido” (o dos fariseus) e uma vida de “seita” (a dos essênios). Um partido consiste de pessoas que reúnem forças e esforços para causar impacto sobre a sociedade através de reformas. O propósito do partido fariseu era restaurar uma vida sólida a Israel sendo uma boa influência, e este buscava seus objetivos através de uma cuidadosa organização, educação e disciplina. As seitas, porém, costumam julgar que a sociedade está fora do alcance das reformas, e os sectários retiram-se a fim de se prepararem para o juízo de Deus que deve recair sobre um povo degenerado. Na vida sectária dos essênios, a divisão entre “os eleitos” e aqueles fora da seita era enfatizada por rituais de iniciação, disciplina severa, e a reivindicação de que ser membro da seita era como uma antecipação da comunidade messiânica
Comparações e interações nos Evangelhos
Jesus interage principalmente com os fariseus e os mestres da lei, que o desafiavam em público. Os fariseus seguiam rigorosamente tradições e leis. Em contraste, Jesus destacava a misericórdia e o amor (Mateus 22:37-40). Ele frequentemente criticava a hipocrisia deles. Por exemplo, em Mateus 15:7-9, disse: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.”. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens.”
Os saduceus, por sua proximidade a Roma e controle do Templo, eram distantes do povo. Eles focavam no poder e nas tradições sacrificialistas. Os zelotes e os essênios eram opostos a Roma, mas suas abordagens eram diferentes. Os zelotes defendiam a luta armada. Os essênios se retiravam para viver em pureza e oração.
Essas diferenças mostram o complexo cenário religioso da época. Jesus propôs um caminho que transcendia essas divisões, promovendo uma fé enraizada na transformação do coração. Sua mensagem era clara: o Reino de Deus não dependia de rituais, poder político ou isolamento. Ele dependia de um relacionamento autêntico com Deus. Em João 4:23-24, Ele ensina: “Deus é espírito; e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.”
Assim, Jesus apresentou uma nova compreensão de adoração e de fé, oferecendo uma mensagem de esperança e inclusão que desafiava e atraía pessoas de todos os grupos.